O território cearense apresenta, de maneira simplificada, três feições fisiográficas distintas: o litoral, o sertão e as serras.
Em todas essas compartimentações topográficas ocorrem orquidáceas, contudo, na vegetação semi-árida da caatinga (sertão) a riqueza e abundância dessas espécies são baixas em comparação com as das serras úmidas locais. A incidência de espécies no complexo vegetacional do litoral (matas de tabuleiro, cerrados, matas a retaguarda das dunas e manguezais) estaria estatisticamente num meio termo entre as duas outras áreas.
Algumas serras úmidas cearenses, como Baturité, Maranguape e Uruburetama, caracterizam-se, basicamente, pelo seu posicionamento nas proximidades do entorno da orla litorânea; por receber, de imediato, os ventos carregados de umidade vindos do oceano; pelas altitudes que permitem uma dotação pluviométrica mais intensa e regular ao longo do ano; pelo conseqüente clima ameno aí estabelecido; e pela ocorrência de uma vegetação caracterizada, fisionômica e floristicamente, como encraves de Mata Atlântica isolados dentro do Bioma Caatinga.
Esses ambientes, principalmente acima dos 600m de altitude, são propícios ao desenvolvimento de uma flórula diversificada, inclusive epifítica, onde se destacam, entre vários grupos botânicos, o das Orquidáceas. Neles, acreditamos que ocorra mais de 90% da orquidoflora cearense, estimada hoje em cerca de mais ou menos uma centena de espécies, embora registros oficiais dêem conta de apenas 54 espécies pertencentes a 28 táxons genéricos, conforme expressam os trabalhos de Cogniaux (1898), Pabst & Dungs (1975, 1977) e Gomes-Ferreira (1990).
Vale salientarmos que essas serras encontram-se seriamente ameaçadas, em conseqüência da degradação secular dos seus hábitats, atualmente fragmentados e ainda submetidos continuamente à dilapidação da flora e da fauna locais. A preservação desses ambientes necessita, complementarmente, de pesquisas e cuidados preservacionistas, não somente pela sua expressiva biodiversidade, mas também pela carência de informações que ainda demanda sobre a sua riqueza e utilização racional. Nesse contexto devemos levar em conta, particularmente, a possibilidade de constatarmos a existência de espécies ainda desconhecidas de orquídeas ou de registrarmos novas ocorrências de espécies já conhecidas e, até mesmo, de espécies com conotações de endemismos para essas áreas montanhosas.
Não somente pelas orquídeas, mas por toda a biota desses ambientes, aprofundar os conhecimentos bio-ecológicos locais constitui um ato de reverência à responsabilidade do científico e do social, necessários à preservação, também, dos direitos que merecem desfrutar as futuras gerações locais e itinerantes.
Esse patrimônio, portanto, não pode e não deve pertencer a grupos individuais nem a indivíduos isolados que possam se auto-eleger signatários de determinadas parcelas de seu conteúdo biológico, como o grupo botânico das Orchidaceae. Diante desta configuração de responsabilidades cabe aos orquidólogos estudá-las e, através dos resultados conseguidos, mensurar e expressar sua riqueza e abundância, prevendo e estabelecendo estatísticas que conscientizem a sociedade da real situação ecológica de suas populações. Aos orquidófilos cabe ajudar o meio científico no que for possível e, também, compreender e descobrir que a fartura dessas espécies nos seus hábitats é coisa do passado, e o que restou, que é muito pouco, constitui um bem precioso que devemos preservar com afinco e entusiasmo. Neste sentido, não podemos mais continuar procedendo com as coletas irracionais nos raros fragmentos que restaram de nossas matas, nem tão pouco, estimulando a coleta predatória realizadas pelos mateiros para “engordar” as nossas coleções.
Como fato palpável, devemos lembrar o que a orquidofilia cearense presenciou no início dos anos 90, quando do crucial extermínio de populações inteira da nossa Cattleya labiata em muitos locais de algumas serras, como foi o caso de Maranguape e Uruburetama (sem mais comentários!). Neste período foi registrada uma grande pressão de coleta dessa espécie, tanto para cultivo na região metropolitana de Fortaleza, quanto em outros estados brasileiros. Aqui na região metropolitana, em algumas ocasiões, foi constatado o apodrecimento de dezenas de indivíduos dessa espécie, conseqüência de coletas irracionais e em grande quantidade, sem os devidos recursos de tempo hábil para mantê-las saudáveis e cuidadosamente bem cultivadas. É bom recordarmos que procedimentos semelhantes já haviam ocorrido nos anos 40 e 50, quando milhares de exemplares dessa espécie saíram do Ceará, por via portuária, para o Rio de Janeiro e São Paulo e, possivelmente, para o exterior. Nessas circunstâncias, quando o navio atrasava, muitas vezes toda a carga apodrecia em quintais de casas da nossa capital.
(Luiz Wilson Lima Verde é engenheiro agrônomo e atual Diretor Técnico-Científico da ACEO)