A revista Lusorquídeas, boletim oficial da Associação Portuguesa de Orquidofilia (APO), circula, em seu vol. VII, nº 01, com matéria do professor e jornalista Italo Gurgel, diretor de Comunicação da Associação Cearense de Orquidófilos (ACEO). A convite da presidente da APO, Graziela Meister, o autor discorre sobre a floração da C. labiata em seu orquidário, a partir de estatísticas que comprovam a ocorrência de flores em todos os meses do ano.
Segue-se o texto da revista portuguesa, ilustrado com fotos também de autoria de Italo:
Cattleya labiata: flores o ano inteiro?
A floração é, sem dúvida, a apoteose do ciclo vegetativo da orquídea. Em função dela é que nós, cultivadores, cercamos de cuidados nossas plantas, de janeiro a dezembro. Daí, quando as flores reaparecem, com seu espetáculo de cores e perfumes, nos sentimos recompensados por todos aqueles pequenos cuidados que dispensamos aos vasos durante meses: as regas, adubações, aplicações de defensivos, trocas de substrato, podas de folhas e pseudobulbos ressequidos…
As flores, eu diria, são o oxigênio que retempera nossa paixão pela orquidofilia. Diante disso, a escolha de espécies tendentes a oferecer floradas generosas é fundamental para garantirmos nossa cota de periódica de alegria e deleite estético.
Buscar as orquídeas mais floríferas e que atendam ao nosso gosto particular é um exercício permanente e desafiador. Creio que, nessa tarefa, o principal critério a ser considerado é escolher espécies endêmicas de nossa região, afeitas, portanto, às condições climáticas que irão encontrar no orquidário. Logo em seguida, vem a busca pela adaptabilidade e rusticidade, características que asseguram uma rápida aclimatação da planta ao ambiente artificial onde será cultivada, permitindo-lhe, em pouco tempo, e na plenitude, retomar seu ciclo e cuidar daquilo que a natureza lhe ensinou: produzir flores para garantir a perpetuação da espécie.
Em minha “caça” à orquídea florífera, assestei a pontaria, há alguns anos, na Cattleya labiata Lindl., flor de grande porte, extraordinariamente perfumada, fácil de ser cultivada e com um grande número de variedades. Sendo nativa do Nordeste brasileiro, a região onde habito, acreditei que ela não se sentiria desgarrada, ao ocupar o cantinho que lhe reservei.
Tenho meu orquidário na periferia da cidade de Fortaleza, a cidade brasileira mais próxima da Europa, distando 5.600 km de Lisboa. A C. labiata vegeta em áreas localizadas cerca de 50 a 100 quilômetros do mar e em altitudes que variam de 500 a 1.000 metros. Essas diferenças, porém, não comprometem a adaptação da planta a novos ambientes. Ela atende àquele pré-requisito, já apontado, de rusticidade e adaptabilidade, podendo ser encontrada em orquidários de todo o Brasil, mesmo os da Região Sul do país, onde se registram invernos rigorosos, com temperaturas abaixo de zero grau.
Segundo Arthur W. Holst, que prefaciou o livro “Cattleya labiata autumnalis”, de L.C. Menezes, talvez o cultivo fácil dessas plantas “possa ser explicado pela sua diversidade em seu ambiente natural, o qual é extremamente inóspito na maioria do ano. A conclusão é lógica: se elas podem crescer e florescer por lá, podem crescer e florescer em qualquer lugar!”
O que me fascina, porém, no cultivo da C. labiata, é seu “desdém” pelo calendário. Embora a literatura orquidófila identifique seu período de floração entre os meses de novembro e dezembro, estendendo-se até o início do outono brasileiro (março), no Ceará essa distribuição temporal é ignorada pela espécie. Há muito tempo, mantenho um criterioso registro de todas as floradas em meu orquidário e o que talvez surpreenda é que tenho vasos floridos em absolutamente todos os meses do ano.
Exponho, a seguir, informações sucintas sobre as condições de cultivo que pratico:
O ORQUIDÁRIO – Localiza-se na Região Metropolitana de Fortaleza (300 km ao sul da linha equatorial), mais precisamente no município de Eusébio, que ocupa uma planície arenosa de tabuleiros litorâneos, com altitude média de 20 metros. A temperatura apresenta variação anual de 24°C a 32°C à sombra, com uma leve queda entre junho e agosto. O orquidário está a cerca de 10 km da praia, em linha reta, interpondo-se, nesse percurso, os mangues do rio Pacoti. A brisa sopra de leste durante o ano inteiro, transformando-se em ventos mais fortes nos meses de agosto e setembro.
A COLEÇÃO – São, ao todo, 156 touceiras adultas de C. labiata, parte delas fixada em toras da madeira Sabiá (Mimosa caesalpiniifolia), parte em vasos de cerâmica contendo os mais diferentes substratos: casca de coco cortada em pellets, frutos secos da palmeira tropical Catolé (Syriagus cearenses), carvão, brita, esfagno… Os vasos e demais suportes estão pendurados em varais, no orquidário, que é recoberto com a tela de sombreamento de 70%, sem a superposição de plástico impermeabilizante.
Na irrigação, utiliza-se um sistema de nebulização, controlado por temporizador (timer), com quatro regas diárias de três minutos, todas no período da manhã. A adubação é feita com intervalos de 15 dias, alternando-se os produtos B&G (macro e micronutrientes, na formulação 5-6-7) e Superthrive, este, em doses homeopáticas. Na proteção contra pragas e doenças, aplica-se, preventivamente, a cada três meses, um defensivo natural, não tóxico, fabricado pela “Naturalcamp”, e um fungicida sistêmico, que exige o uso de equipamento de proteção individual.
ESTATÍSTICA – Com os tratos culturais e o ambiente acima descritos, a C. labiata tem oferecido excelente resposta, não só expandindo o enraizamento e multiplicando as novas brotações, como produzindo uma profusão de flores.
Em 2014, do total de 156 plantas observadas, 130 floriram, muitas delas mais de uma vez, totalizando 218 florações. Em alguns casos, as estatísticas são particularmente curiosas: a labiata nº 56 floriu cinco vezes no ano e a de nº 91 produziu 14 flores em apenas duas floradas, o que não deixa de ser uma façanha para uma Cattleya unifoliada.
O gráfico que se segue revela o total de florações, mês a mês:
Como se pode ver, o recorde aconteceu em janeiro (49), seguindo-se queda constante até julho (1) e uma nova escalada, até chegar ao mês de dezembro (36).
Cabe comentar que este levantamento estatístico não se propõe de caráter científico, mas intenta apenas ilustrar uma situação de cultivo que pode, eventualmente, inspirar novas experiências ou embasar pesquisas mais aprofundadas, em outros ambientes e latitudes, com esta ou outras espécies de orquidáceas.
Para concluir, impõe-se um alerta – senão, um grito: hoje, os estoques da Cattleya labiata Lindl., em seu hábitat natural, estão seriamente comprometidos. Além da coleta indiscriminada, soma-se o agravante da derrubada da floresta nativa para dar lugar ao plantio de bananeiras, prática absurda, porém muito comum nas serras úmidas do Ceará e em regiões de outros estados do Nordeste brasileiro onde essa espécie ocorre. Diante de tal realidade, cresce a importância dos orquidófilos como responsáveis pela salvaguarda e perpetuação daquela que é, certamente, a mais bela orquídea brasileira.
Caro amigo prof. Ítalo, artigo relevante e elucidativo sobre a rainha do nordeste, escrito com a paixão e o esmero de quem ama estas plantas singulares. Ainda hoje, aqui no sul de Minas, está florescendo uma labiata concolor Walter Dreher – em uma frente, mas que já havia dado flores em início de Fevereiro em 2 frentes. Isso confirma seu ponto de vista sobre a rusticidade e resistência aos diversos climas e locais de cultivo da Cattleya labiata, que por aqui costuma florir no outono. Parabéns pelas cuidadosa observações e registros estatísticos. Se elas podem crescer e bem florescer por AÍ, podem crescer e florescer em qualquer lugar! ORA POIS POIS! ou como aí no nordeste “Ora pois!” Abraços orquidófilos.