Texto e fotos: Rafael Barbosa
(Psicólogo e orquidófilo nas horas vagas)
Quando fui gentilmente convidado a escrever este artigo, pelo Italo Gurgel, diretor de Comunicação Social da ACEO, aceitei após uma certa dose de resistência e indagações. Me perguntei sobre o tipo de contribuição que poderia oferecer à orquidofilia. Bem, vou seguir pelo caminho da transparência a respeito de minhas experiências de cultivo.
Em 2015, comprei minha primeira orquídea, portanto sou um entusiasta novato. Como muitos, minha primeira orquídea foi um híbrido complexo de Phalaenopsis, daqueles sem identificação. Achei-a em um estande de vendas da conhecida feira da Praça das Flores, em Fortaleza. Fiquei imediatamente encantado pela beleza exótica das flores e do vegetal. Segundo a vendedora, elas não necessitavam de tanta luz quanto muitas plantas de jardim, de sol pleno. Isto encorajou-me a levá-la comigo.
Nessa época eu morava em um apartamento e o único espaço que tinha para cultivar era a janela do meu quarto, voltada para o nascente. Há anos havia abandonado as plantas. Comprei a Phalaenopsis por puro impulso. Fora as dicas bem genéricas da vendedora, não tinha a menor ideia de como cultivá-la. Desse modo, a pesquisa sobre os cuidados começou assim que cheguei à casa. Alguns dias depois, acordei com um delicioso perfume semelhante ao de rosas no quarto. Descobri que a recém-chegada também era perfumada, algo um tanto incomum entre os híbridos complexos de mercado. O universo havia armado uma arapuca para mim; fui fisgado também pelo nariz. A princípio a paixão pelas orquídeas se resumiu às Phalaenopsis sem identificação.
À medida que a paixão pela jardinagem crescia, veio o interesse também por outros gêneros de orquídeas e pelas cattleyas, notadamente mais exigentes com relação à luz. Obtive êxito quando meu primeiro híbrido de Cattleya floriu em meu quarto, mantido bem próximo à janela. Queria adquirir mais cattleyas, no entanto era limitado pelo pouco espaço.
A partir desse desejo, minhas pesquisas me conduziram ao cultivo de orquídeas sob luz artificial, prática relativamente comum nos países de clima temperado, porém pouco difundida no Brasil, principalmente no ensolarado Nordeste. O domínio do inglês foi bastante útil nessas horas. Dediquei-me a assistir a vídeos e ler artigos sobre o tema nas mais variadas plataformas da internet: Youtube, fóruns de discussão e páginas sobre o assunto.
Neste momento preciso registrar minha gratidão à disponibilidade e carinho da Luciana, do canal do Youtube “Luciana RR & As Orquídeas na Janela” (Fonte n. 1). Na época ela era a única brasileira à qual tive acesso que divulgava informações em vídeo sobre este modo de cultivo. Trocamos muitas figurinhas sobre o assunto, uma vez que, além das Phalaenopsis, ela obtinha sucesso no cultivo e floração de híbridos de Vandas. Como estas são mais ávidas por luz que as cattleyas, enchi-me de esperanças.
Tentarei ser o mais didático e o menos enfadonho possível, até porque minha formação universitária está a léguas – e das náuticas – da agronomia. Sigo a tradição dos acadêmicos da área de Humanas de patinar na Física e na Matemática, então tive um certo trabalho para relembrar e entender o conhecimento por trás do cultivo sob luz artificial.
As orquídeas, assim como as demais plantas fotossintetizantes, evoluíram para desenvolver-se de modo saudável sob a luz do Sol. Quando comecei a pesquisa sobre o assunto, logo aprendi que a luz tem qualidades que podem variar, e o cultivo sob luz artificial trata-se de proporcionar a quantidade e qualidade de luz que favoreça o desenvolvimento saudável e floração das nossas meninas. Por hoje, gostaria de destacar uma das duas variáveis mais importantes para esta modalidade de cultivo: a intensidade da luz.
Intensidade:
Trata-se da quantidade de raios luminosos que atingem uma determinada superfície. Quanto maior a intensidade da luz, maior a quantidade de raios luminosos que banham uma área específica. Do ponto de vista prático, existe uma peculiaridade da luz que dificulta equalizar esta variável no cultivo. A luz perde intensidade muito abruptamente quanto mais distante da fonte luminosa, pois os raios luminosos se dispersam, conforme mostrado na figura abaixo.
Para poupar os leitores de fórmulas da Física, irei ilustrar esta função com um exemplo. Imagine a intensidade luminosa presente a apenas 10 cm de uma lâmpada. Quando afastamos para 20 cm da fonte luminosa, dobra-se a distância. Deduzimos que a quantidade de luz a 20 cm seja metade de a 10 cm da lâmpada, correto? Errado. Por causa da dispersão dos raios luminosos, a intensidade da luz decai muito abruptamente. Portanto, quando dobramos a distância para 20 cm, a quantidade de luz é reduzida a somente a ¼ da quantidade recebida a 10 cm. E mais, quando fazemos a mesma medição a uma distância de 30 cm da fonte luminosa, obtemos apenas 1/9 da iluminação inicial, a 10 cm.
Em sites especializados, como o da American Orchid Society (AOS), obtive valores bastante específicos sobre a quantidade de luz necessária para o desenvolvimento de alguns gêneros sob luz artificial (Fonte n. 2). Como as cattleyas são o principal gênero de minha coleção, irei tomar esse dado como exemplo.
Uma vez que se apontavam valores de intensidade luminosa para o cultivo, tratei de comprar um aparelho que faz a medição desta variável: o luxímetro. Apesar da demora para chegar, o preço certamente valeu a pena nos sites internacionais. O mesmo produto, fabricado na China, sofre um absurdo aumento de mais de 4 vezes do valor inicial nas lojas físicas de Fortaleza.
Neste ponto me deparei com a primeira dúvida: a intensidade da luz decresce exponencialmente em função da distância. As cattleyas podem ser plantas de porte alto, especialmente as bifoliadas. Segundo a AOS, o valor da intensidade luminosa proposto refere-se a uma medição na parte mais alta (Fonte n. 2). Uma Cattleya labiata, por exemplo, tem cerca de 30 cm de altura, mas as “caneludas” costumam ter o dobro disso, como as Cattleya granulosa, guttata ou tigrina. Ou seja, se eu colocasse uma C. labiata e uma C. granulosa sob a mesma fonte de luz, a labiata receberá apenas ¼ da luminosidade da caneluda. Seria possível essa forma de cultivo?
Bem, cheguei à conclusão de que sim, é possível. Ao longo dos meses, com muito estudo e observação, fui melhorando todos os aspectos do cultivo. Também tive problemas com a fonte de luminosidade pensada inicialmente. Precisei fazer mudanças substanciais nesse sentido e mudar os refletores de led usados no começo (não os recomendo). Ainda bem que a adoção de lâmpadas fluorescentes t5 possuía custo/benefício superiores e melhoria do aspecto estético.
E elas florescem? Sob meu cultivo presenciei a primeira flor de um híbrido de Cattleya que cultivava (Cattleya whitei var coer. x Cattleya harrisoniana var coer.), de minha recém adquirida Brassavola Little Stars. Também fiz a compra de uma Cattleya nobilior var. amaliae formando o broto floral em uma compra online. A mesma não abortou o processo e presenteou-me com três belas e perfumadíssimas flores.
Cometi muitos dos erros de iniciante e aprendi bastante sobre as características básicas do cultivo. No final de 2018, mudei de residência e encontrei um local onde pudesse montar um pequeno orquidário com luz natural. Esta mudança para a luz natural ocorreu com pouco mais de dois anos de cultivo sob luz artificial. Acredito que os exemplos de florações poderiam ter sido mais abundantes se houvesse mais tempo e outras questões do cultivo já acertadas. Foram muitas variáveis a serem ajustadas ao mesmo tempo e muitas orquídeas eram recém-adquiridas, em fase de recuperação do reenvase e de aclimatação.
Existem outros aspectos técnicos e especificidades a serem observadas no cultivo sob luz artificial, como cor ou espectro da luz, eficiência energética das fontes luminosas, temperatura e, claro, decidir até que ponto aumentar a conta de eletricidade. Em uma época de emergência climática também é imperativo pensar sobre formas mais sustentáveis de viver. Desse modo, também me sinto no compromisso ético de mencionar este aspecto na hora de adotar formas de cultivo mais sustentáveis (fonte 3).
Saudações orquidófilas,
Rafael Barbosa
Algumas Fontes:
1- Luciana RR & as orquídeas na janela (Canal do Youtube)
https://www.youtube.com/channel/UCKIqZsCezS0ASJ1_hZZyn6w
2- American Orchid Society (AOS): Growing under lights
https://www.aos.org/orchids/additional-resources/growing-under-lights.aspx
3- O colapso (in)evitável e o Antropoceno http://oquevocefariasesoubesse.blogspot.com/2017/03/o-colapso-inevitavel-e-o-antropoceno.html
Como neófita na arte de cultivar orquídeas em ambiente urbano e doméstico, este foi um dos artigos mais interessantes que li. Longa vida às nossas orquídeas 🙂
Olá, sobre o espectro da luz, poderia me explicar quais florescentes funcionam bem para as cattleyas?
Oi, Rafael, já utilizou lâmpadas growlight com led vermelhos e azuis apenas?
Uso com led vermelho, azul, IR e UV. Consegui floração de uma Dendrobium lindley. Gostaria de trocar experiências contigo.